Aprovação de norma moderada concluiu o desfecho de uma virulenta luta entre seculares e religiosos que durou 25 anos.
Em
9 de dezembro de 1905, o Parlamento francês promulga lei que postula a
separação da Igreja e do Estado, projeto de iniciativa do deputado
socialista Aristide Briand. Era a conclusão de um confronto virulento
que opôs os governantes da IIIª República à Igreja Católica. O
dispositivo passa a entrar em vigor no primeiro dia de 1906.
A
lei se aplicava às quatro confissões então representadas na França: os
católicos; os protestantes luteranos; os protestantes calvinistas; e os
judeus. Encerrava 25 anos de violentas tensões entre o poder republicano
e a Igreja Católica, um e outra disputando o magistério moral sobre a
sociedade.
Na virada do século XX, os partidários do laicismo se
dividiam em dois campos: os herdeiros da tradição jacobina, adeptos em
sua maioria da franco-maçonaria, que sonhavam em erradicar a religião
cristã ou a confiná-la em um domínio estritamente privado; líderes como
Jean Jaurès e Aristide Briand que queriam, por um lado, afirmar a
neutralidade do Estado em relação a todas as crenças e, de outra parte,
garantir a liberdade de consciência em conformidade com a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Num primeiro momento os
anticlericais se impõem com o acesso à Presidência do Conselho de Estado
de Émile Combes, em 7 de junho de 1902. O novo chefe de governo
reacende a guerra religiosa fechando, em 7 de julho de 1904, com uma
brutalidade sem precedentes, as escolas religiosas e proibindo que os
padres das congregações pudessem lecionar. Porém, envolto em escândalo,
foi substituído em 24 de janeiro de 1905 por Maurice Rouvier, que havia
começado sua carreira à sombra de Leon Gambetta, ex-primeiro ministro.
Bom
orador e eminente representante do grupo conhecido como
‘‘oportunista’’, republicanos moderados opostos aos ‘‘radicais’’,
Rouvier cultivava boas relações com o meio empresarial bem como com a
esquerda republicana e coube a ele levar adiante a questão da separação
Estado-Igreja, apoiado em Aristide Briand.
A lei de separação pôs
fim unilateralmente à Concordata napoleônica de 1801 que regia as
relações entre o governo e a Igreja Católica. A nova lei proclamava a
liberdade de consciência e garantia o livre exercício dos cultos: Artigo
1º - A República assegura a liberdade de consciência. Ela garante o
livre exercício dos cultos ; Artigo 2º - A República não reconhece nem
assalaria nem subvenciona qualquer culto.
O Estado manifestava
desse modo sua vontade de neutralidade religiosa mas não se exonerava de
suas responsabilidades. Queria ‘‘garantir’’ a todos os meios de exercer
livremente sua religião respeitando as dos demais. Dentro desse
espírito são criadas as capelanias em instituições especiais – quarteis,
liceus, prisões, hospitais – e mais tarde, emissões religiosas pelos
canais públicos de televisão.
O Estado não tinha intenção de
limitar a liberdade de consciência nem confinar a religião à esfera
privada. Não se pretendia, por exemplo, proibir o porte pelas pessoas de
símbolos religiosos
No plano financeiro, a lei teve duas
principais consequências: a) os ministros dos cultos – bispos, prelados,
pastores e rabinos – não mais seriam remunerados pelo Estado, que se
desinteressaria totalmente de suas nomeações; b) os bens móveis e
imóveis possuídos anteriormente pelas igrejas se tornariam propriedade
do Estado que se reservava o direito de confiar gratuitamente aos
representantes das igrejas e templos tendo em vista o exercício do
culto.
Por um lado, os ministros do culto e, em particular os
bispos, ganhariam em independência, não tendo mais de prestar contas à
administração. Por outro, as igrejas e os templos não teriam mais o
encargo da manutenção, bastante custosa, de seus edifícios. Teriam
apenas a incumbência de assegurar a manutenção do dia-a-dia. Quanto aos
prédios religiosos que fossem construídos a partir da lei de 1905, eles
seriam de propriedade plena das respectivas entidades religiosas.
O
inventário dos bens eclesiásticos, necessário à execução da lei, foi
inicialmente levado com alguma mesquinharia. Uma circular de 2 de
janeiro de 1906 obrigava os padres a abrir os tabernáculos para fazer o
inventário das taças sagradas. Muitos católicos viram nisso uma forma de
profanação e temiam que a medida pudess encorajar os roubos e as
espoliações.
O papa Pio X nada fez para acomodar as coisas,
apenas proibiu aos católicos de formar as ‘‘associações de culto’’
previstas pelo texto legal para a utilização gratuita dos edifícios
religiosos de propriedade do Estado.
Pela lei de 2 de janeiro de
1907 relativa ao exercício público do culto, ficava regulada a questão
dos edifícios pertencentes aos bispados e às ‘‘fábricas’’, associações
católicas que geriam os bens paroquiiais. Mais de 30 mil edifícios foram
colocados gratuitamente à disposição dos religiosos.
Em 28 de março de 1907, uma nova lei autorizava os crentes a se reunir sem prévia autorização e permitia o dobre de sinos.
Após
a I Guerra Mundial, o governo pretendeu estender a união pacífica de
todos os franceses. Decidiu transferir o coração de Gambetta, ilustre
fundador da República, para o panteão, e também de honrar a memória de
Joana d’Arc proclamando efeméride nacional o segundo domingo de maio.
Relações
diplomáticas são restabelecidas entre Paris e o Vaticano. O papa Bento
XV prometeu consultar Paris antes da nomeação de bispos.
Fonte: Opera Mundi