O pastor Walter Hoff, da igreja luterana, que apoiou o nazismo
Enquanto o
Vaticano silenciou durante o regime nazista, os luteranos tiveram uma
participação mais ativa na perseguição dos judeus. Adolf Hitler e Joseph
Goebbels eram de origem católica, e Hitler proibiu que o seu ministro
da propaganda se desligasse da Igreja, como planejava. Mas foi a igreja
luterana, da qual cerca de 50% da população da Alemanha faziam parte já
naquela época, a que mais colaborou com o regime.
Em um estudo
que será publicado em abril na revista de História “Zeitschrift für
Geschichte”, Dagmar Pöpping, da Universidade Ludwig Maximilian, de
Munique, conta a história do pastor luterano nazista Walter Hoff, que
participou pessoalmente do extermínio de judeus da Bielorrússia (algo
entre 786 e mil pessoas) e confessou o crime aos seus superiores, mas
nunca foi condenado por nenhum tribunal.
Segundo o
historiador Manfred Gailus, autor do livro “Crença, Confissão e Religião
no Nacional Socialismo”, Hoff não foi punido porque a igreja
protestante abafou o caso.
Em carta, orgulho do extermínio
Casado com
uma integrante da associação das mulheres nazistas e pai de seis filhos,
Hoff fez carreira a partir de 1933 e tinha o apoio pessoal de Joseph
Goebbels. Em 1934, ele foi promovido a chefe da igreja luterana da
região de Berlim e Brandenburgo, mas, durante a guerra, foi convocado
como pastor da Wehrmacht, nas tropas do leste, que atuaram na ocupação
da União Soviética e, em 1943, no extermínio dos judeus da Bielorrússia.
Pouco
depois, ele escreveu aos seus superiores, contando, com orgulho, a ação
sangrenta. Depois da guerra, quando os criminosos e colaboradores
começaram a ser processados, Hoff tentou se livrar de culpa dizendo que
tinha confessado o crime apenas para provar que era “um bom nazista”. No
final dos anos de 1950, a central de investigação dos crimes nazistas
de Ludwigsburg começou a apurar o seu caso, já a partir das pregações
nazistas, mas arquivou-o por falta de provas.
Mesmo os
textos das pregações nazistas de Hoff, que conclamava os berlinenses a
agradecer a Deus “pela eliminação dos judeus da Alemanha”, não pesaram
contra ele. Até a sua morte, em 1977, recebia uma boa aposentadoria da
igreja luterana.
Setenta anos
depois do massacre de judeus praticado com a ajuda de um religioso, na
região bielorrussa de Klimowitchi, onde aldeias e cidades inteiras foram
exterminadas logo depois da chegada dos invasores, o caso começa a ser
investigado pelos luteranos.
O bispo
luterano berlinense Markus Dröge disse que a igreja fundada por Martinho
Lutero falhou ao apoiar os nazistas e também ao não investigar esse
passado depois da guerra.
— A igreja
luterana foi em muitos casos criminosa e isso nos obriga hoje a uma
posição crítica em relação a todas as ideologias — disse o bispo
luterano.
A igreja de
St. Petri, onde Walter Hoff atuava como o chefe da paróquia luterana do
centro de Berlim, e onde todos os anos, no “aniversário do Führer”, dia
20 de abril, era realizado um culto luterano por Hitler, no qual os
pastores agradeciam pela luta do ditador contra “o judaísmo mundial”,
foi destruída pelas SS no final da guerra.
No mesmo
terreno onde ficava a igreja luterana que tanto apoiou os nazistas, a
prefeitura de Berlim mandou construir uma igreja multirreligiosa, para
cristãos, judeus e muçulmanos, um projeto financiado pelos luteranos. As
obras deverão começar em breve.
Em 1933,
quando Hitler chegou ao poder, noventa e seis por cento dos alemães eram
católicos ou luteranos. Os demais eram judeus. Muitos católicos e
luteranos praticantes ingressaram nas tropas SS e não viam nisso
conflito de consciência.
— Na época,
perseguir judeus na Alemanha não era algo visto como crime mas como
tarefa de um bom alemão, que precisava eliminar os elementos
“perseguidores” do povo alemão, como dizia a linguagem desumana do
regime — revela a historiadora.
Igreja rezou missa pelos nazistas
Enquanto na
Igreja católica, o Papa Pio XI, arrependido de ter assinado um acordo
com Hitler, em 1933, quatro anos mais tarde mandou distribuir, nas
igrejas de toda a Alemanha, a encíclica “Mit Brennender Sorge” (Com
ardente preocupação), a única que foi redigida em alemão, a igreja
luterana mandava rezar um “culto de ação de graças” pela chegada dos
nazistas ao poder.
— Na
Alemanha, a igreja católica era menos ligada aos nazistas. De 1940 a
1942, muitos padres foram perseguidos e mosteiros católicos fechados.
Quatrocentos e dezessete padres católicos foram deportados para campos
de concentração — lembra Pöpping.
Ainda assim,
o papel da Igreja católica divide as opiniões. Desde o lançamento da
peça do dramaturgo Rolf Hochhuth “O Vigário”, em 1963, o silêncio de Pio
XII, que se tornou Papa em 1939, em relação ao Holocausto é visto de
forma bastante crítica.
Dagmar
Pöpping argumenta que o silêncio da Igreja foi mais uma forma de evitar o
pior, o aumento das perseguições. Só na Polônia, dois mil padres tinham
sido deportados para campos de concentração. Uma investigação feita
pelo Vaticano no processo de beatificação de Pio XII revela que ele
teria ajudado a salvar milhares de judeus, abrigando-os em igrejas e
conventos.
O teólogo
Hans Kung, que conheceu Pio XII pessoalmente, lembra do Papa como “uma
personalidade bastante carismática”. Apesar disso, ele afirma:
— O Papa Pio XII se recusou a criticar publicamente a maior matança da História. Contra isso, não adianta mostrar documentos.
Já o alemão
Andreas Englisch, autor de uma biografia de Bento XVI, lembra que um dos
momentos mais tocantes do seu pontificado foi em maio de 2006, quando o
Papa visitou Auschwitz, na Polônia, e falou sobre como era “difícil e
opressor para um cristão, um Papa que vem da Alemanha”, nesse “lugar de
terror contra a Humanidade sem paralelos na História”.
Mas, pouco depois, o Vaticano reabilitou o bispo Richard Williamson, da Fraternidade de São Pio, que negou o Holocausto.
De acordo com Englisch, um dos maiores erros de Bento XVI foi não ter abordado o problema em sua visita ao Oriente Médio.
— Os
israelenses esperavam que ele falasse um pouco mais do papel da Igreja
na ditadura nazista e da sua própria história, como homem do exército de
Hitler (integrante da Juventude Hitlerista) — afirma Englisch. — Ele
perdeu uma chance histórica.
Fonte: O Globo