Era para ser
uma mata protegida em uma das regiões mais carentes de áreas verdes de
São Paulo. Mas a Mata do Iguatemi virou o "Monte Sagrado". Abandonada
pelo poder público, a Área de Proteção Ambiental (APA) de 300 mil m²
cravada entre conjuntos habitacionais na zona leste abriga uma espécie
de santuário evangélico sob uma cobertura densa de árvores nativas
remanescentes da Mata Atlântica.
E não só. A
metros dali, um trecho mais degradado serve de refúgio a moradores de
rua e dependentes químicos, à beira da Estrada do Iguatemi, via
principal do bairro Jardim Pedra Branca. Ao olhar do leigo, seria só um
matagal cortado por um riacho turvo. De esgoto. E mais: para certos
moradores, a APA é apenas um terreno baldio de capim com gradil
arrebentado. Sinônimo de local para o despejo ilegal de entulho e lixo
doméstico.
Não bastasse
tanto, a Mata do Iguatemi serviu de moradia a famílias que construíram
ali 40 barracos de madeira, nos idos de 2004. Nove anos depois, ainda
tem parte do terreno invadido. E segue à espera da intervenção estatal
(mais informações nesta pág.).
Criada em
1993, a menor das cinco APAs paulistanas deveria ser conservada para
preservar a biodiversidade e manter o microclima da região (mesmo que a
lei permita moradias e parques abertos à visitação). Até agora, porém, a
Mata do Iguatemi não tem plano de manejo nem regras de uso.
A flora e a
fauna dali não são inteiramente conhecidas. A Fundação para a
Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, gestora da
APA, afirma que as espécies estão sendo catalogadas. Frequentadores e
vizinhos dizem avistar gambás, cobras, esquilos, lagartos, pássaros e
tucanos. "É Mata Atlântica boa e deveria ser mantida intacta", diz a
bióloga Luciene Lacerda, do Grupo de Recuperação de Áreas Degradadas da
Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. "O Parque do Carmo é
perto, as pessoas podem usar lá."
O 'monte'. Não
é o que ocorre. Manhã, tarde e noite, enquanto evangélicos sobem o
morro e somem mata adentro a orar, sem-teto e dependentes químicos se
escondem para fumar crack. Os grupos não se cruzam, porque ocupam faixas
distintas da APA.
Enquanto os
viciados ficam no matagal de baixo, atrás de capim alto, arbustos, lixo,
roupas queimadas, fogueiras e barracas madeira e lona, os fiéis entram
pela parte de cima, em uma trilha aberta em frente ao conjunto
habitacional da Rua Coração Sertanejo.
O caminho
assusta à primeira visita. Quem segue as ripas de madeira que demarcam o
trajeto escuta, logo nos primeiros 50 metros, um zumbido seguido por
uma série de sussurros. O som fica quase inidentificável, misturado ao
ruído de grilos. As copas das árvores altas se fecham acima e ao redor,
confundindo a visão.
Adiante,
numa grande clareira, pode-se distinguir o lamento e as rezas do som de
insetos e do piar de pássaros. É a primeira de uma série abertas ao
longo da trilha.
Evangélicos
perambulam e rezam pelas clareiras. Montam barracas e acendem fogueiras.
"Aqui sinto a presença de Deus", diz Vagner dos Santos, de 36 anos,
evangelista da Igreja Pentecostal Jesus Cristo É o Ministério.
Frequentador do "monte" há 13 anos, diz que às vezes "os verdinhos"
(guardas florestais) vão até lá e pedem para não cortarem árvores. Os
crentes também apelam: pregaram duas placas com a inscrição "não destrua
as árvores".
Ariane
Muller, de 46, diaconisa da Assembleia de Deus Ministério Resgate, conta
que os evangélicos simulam na APA uma passagem bíblica do Monte Sinai:
"Está dito que Moisés subia o monte para buscar a Deus. Aqui, nos
reunimos para fazer propósitos com Deus. Fazemos pedidos e aguardamos
respostas".
Há quem
passe o dia inteiro na mata. O pastor José Moura, de 49, fica em uma
barraca de lona e plástico. Ele explica que ali as pregações não
incomodam vizinhos. "A gente não tem aonde ir, a não ser as matas. A
mata não é interditada nunca." Mas fiéis contam que o acesso foi fechado
duas vezes, por volta dos anos 2007 e 2009 - quando deixaram de ir ao
Monte. Mas há muito, relatam, "pessoas arrebentaram a grade". E o acesso
ficou livre outra vez.
Fonte: Estadão
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