A
renúncia de Bento XVI ao pontificado gerou além de espanto, muitas
especulações por parte de estudiosos e analistas do Vaticano.
Um site de conteúdo ateu chamado Examiner
publicou em tom de humor uma lista de cinco teorias da conspiração
sobre eventuais motivos que teriam levado o cardeal alemão Joseph
Ratzinger a abrir mão de seu cargo como Papa da Igreja Católica.
A primeira teoria aponta para uma suposta desilusão de Deus por parte
do Papa: “Talvez, ele perdeu sua fé. Como muitos clérigos, pode ser que
ele já não acredite em um deus que tem causado tanto sofrimento no
mundo, exige adoração, e faz o seu representante na Terra usar um chapéu
engraçado. Talvez ‘Bentinho’ simplesmente não queira decepcionar seus
torcedores e fãs com a sua súbita percepção de que ele não pode mentir
do púlpito mais”, especula o texto.
Em segundo lugar, o site considera a possibilidade de novos
escândalos sexuais terem motivado Bento XVI a desistir do pontificado:
“Outra possibilidade é que o escândalo sexual, que manchou o seu mandato
como líder infalível está prestes a ficar ainda pior”, diz o texto, que
aponta um suposto e iminente vazamento de novos documentos secretos do
Vaticano como a terceira teoria conspiratória: “E se os novos documentos
Vatileaks está prestes a sair ou o Papa está sendo chantageado com uma
ameaça de novos documentos?”, questiona a reportagem.
A teoria conspiratória mais pesada é a de que Bento XVI seria um
pedófilo em seus tempos como padre, e que agora estaria sendo forçado a
abandonar seu cargo: “Um desses detalhes pode ser que o Papa fez mais do
que apenas defender os padres pedófilos, mas na verdade era um deles. É
possível que o Papa tivesse a mão em alguém do Eucaristia?”, pergunta o
texto, sem dar resposta à especulação.
A última teoria conspiratória em torno da renúncia do Papa Bento XVI é
feita de maneira quase que irresponsável. Brinca com a virgindade
exigida dos ministros da Igreja Católica: “Por fim, talvez não seja algo
tão nefasto. Talvez o motivo do Papa seja amor… com uma mulher. Vamos
ser realistas aqui por um minuto. O cara tem 85 anos de idade, e ainda
é, presumivelmente, um virgem. Ele não tem muito tempo, e talvez apenas
uma vez antes de morrer, o cara gostaria de transar”.
Apesar das piadas de ateus sobre os motivos da renúncia do Papa, um
filósofo italiano publicou um artigo no jornal Il Fato Quotidiano, em
que especula se a renúncia não teria sido “uma crise de fé”.
“O mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a
economia e com a racionalização social que constituíram a força do
Ocidente e a sua triunfante agressividade”, escreveu Gianni Vattimo, que
completa: “Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou
na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também
significa colocá-la no horizonte temporal que lhe compete”.
O filósofo ressalta em seu artigo que a decisão surpreendente de
Bento XVI pode claramente ser um recado à igreja que comandou nos
últimos oito anos: “Pois bem, dada a absoluta imprevisibilidade e
gratuidade do seu gesto – certamente o maior e mais nobremente
edificante de todo o seu pontificado –, a única explicação que se pode
dar a ela, e que ele mesmo forneceu na sua declaração ao consistório de
segunda-feira de manhã, é a de um ato de consciência, decidido em
homenagem a uma obrigação interior à qual ele não quis se isentar”.
Confira abaixo, a íntegra da tradução do artigo “E se o papa teve uma crise de fé?”, publicada pelo site Unisinos:
E se realmente tivessem vencido Flores e Odifreddi, e os tantos cientistas dogmáticos como eles, determinando no pobre Papa Bento XVI uma crise de fé a tal ponto de induzi-lo a renunciar? É uma hipótese, de fato, nada injuriosa e inverossímil: o Papa Ratzinger sempre apoiou com toda a sua força que razão e fé não estão em contraste, e que, portanto, a adesão ao cristianismo se fundamenta naqueles preambula fidei que foram expostos por São Tomás e que, por séculos, foram a base do ensino nos seminários católicos.Por Tiago Chagas,
Pois bem, dada a absoluta imprevisibilidade e gratuidade do seu gesto – certamente o maior e mais nobremente edificante de todo o seu pontificado –, a única explicação que se pode dar a ela, e que ele mesmo forneceu na sua declaração ao consistório de segunda-feira de manhã, é a de um ato de consciência, decidido em homenagem a uma obrigação interior à qual ele não quis se isentar.
Diante de todas as motivações práticas, políticas, econômicas (alguém poderia pensar no IOR), ele provavelmente se deu conta de que, na situação da Igreja hoje, a renúncia é a única coisa que um papa pode seriamente fazer, em vez de continuar lutando para isentar o Vaticano do ICI [imposto predial do qual a Igreja está isenta], ou excomungado preservativos, homossexuais, uniões civis.
É com o distanciamento de todas as “funcionalidades” terrenas e, portanto, mostrando finalmente a face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho, que o cristianismo pode voltar a ser uma escolha de vida possível para as pessoas do nosso tempo.
Se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores, ele abandonaria imediatamente o Vaticano, talvez voltaria para a Palestina para estar próximo dos perseguidos e espoliados de lá, certamente não perderia mais tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana, ou pressionando as autoridades civis de todo o mundo para que, em homenagem à “antropologia bíblica”, as leis proíbam a eutanásia, a fecundação heteróloga, a adoção por parte de casais gays e, naturalmente, o aborto e o divórcio.
De fato, não é extravagante pensar que essa crise de consciência papal possa ser realmente, ou ao menos legitimamente, interpretada como um evento decisivo nas relações do cristianismo com a “racionalidade ocidental”, que por um longo tempo, e com boas razões, já liquidou os preambula fidei, revelando-se aquilo que é: racionalidade calculista do mundo “economicamente” organizado, dos técnicos motivados pelo seu saber “objetivo” e, no fim, da lógica bancária que todos conhecemos e sofremos na nossa pele.
Insistir na ideia de que a fé em Jesus Cristo é uma escolha racionalmente motivada significa realmente condenar-se a perecer junto com o Ocidente capitalista, já em decadência.
Além disso, o mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a racionalização social que constituíram a força do Ocidente e a sua triunfante agressividade.
Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe compete.
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